Eu venho da ABENAV (Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore), que havia sido criada pelo SINAVAL (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore) na época da retomada da indústria naval, no início dos anos 2010. O propósito da ABENAV era auxiliar na construção de uma indústria naval mais competitiva, sustentável e perene. Eu fiquei na associação até 2018, quando fui para o setor elétrico. Posteriormente, fui chamado para fazer parte do SINAVAL e recebi como missão a reativação da ABENAV, que havia sido fechada com a crise da indústria naval. Isso porque havia uma demanda anunciada pela Petrobras que geraria o desafio da retomada do setor, mas para isso seria preciso preparar a cadeia fornecedora.
O ponto é que a ABENAV tinha como foco a indústria de construção naval e havia novos temas para serem trazidos, como a transição energética, a governança e a inovação. Além disso, nós temos uma demanda muito grande da economia do mar, já que a indústria naval é a principal fornecedora dos seus ativos. Por exemplo, uma petroleira precisa de plataformas e de embarcações de apoio, a indústria de pesca precisa de barcos e a indústria do lazer precisa de embarcações de lazer que são construídas por estaleiros nichados. Se olharmos para a geração de energia eólica, essas empresas precisam de embarcações de apoio. É por isso que a indústria naval está no cerne da economia do mar. Então, por que não convergir as ações dessas áreas numa associação que trabalhe pelo desenvolvimento da economia do mar? O Brasil é um país que possui uma extensa área marítima que faz com que o mar seja um grande indutor econômico. É por isso que a ABEEMAR inicia as suas atividades com a indústria naval, mas também tem o propósito de atrair outros agentes para que ela se torne um fórum sobre a economia do mar.
Além de ajudar no desenvolvimento dos negócios dos nosso estaleiros e da indústria como um todo, incentivando network, gerando conteúdos, aproximando a academia da indústria e qualificando a mão-de-obra, nós pretendemos fazer diversas ações voltadas para as questões da transição energética, como o hidrogênio verde, as eólicas offshore e a forma como a substituição dos combustíveis de navegação vão afetar os estaleiros e a cadeia fornecedora; de governança, com o objetivo de aumentar a competitividade e a eficiência da indústria como um todo e deixar suas ações mais claras; e de inovação, pois o grande segredo de qualquer país de primeiro mundo é o seu grau de inovação. Enquanto o Brasil não possui um centro de tecnologia para a indústria naval, eu tive a oportunidade de visitar, recentemente, o gigantesco centro de tecnologia da Coréia do Sul que ajuda a desenvolver a indústria naval local. Por exemplo, existem segmentos de embarcações que são altamente tecnológicas. Nós precisamos resolver a questão da inovação, não só de tecnologia, mas também de processo.
Eu estou participando de nove grupos de trabalho pelo Sinaval com o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, comércio e Serviços), três com a Petrobras e três com a Frente Parlamentar, e é unânime: todos estão falando que nunca viram os agentes do setor se comunicando tão bem quanto dessa vez. Parece que todos aprenderam com o passado e estão conversando de maneira a se construir um futuro duradouro. O próprio governo está muito aberto a construir uma política de Estado. A indústria naval sempre teve picos e vales porque não se olhou para ela como uma política de Estado, e sim como uma política de governo. Sai um governo, a política acaba morrendo e você não tem continuidade, o que faz com que tenhamos crises. A China e a Coreia do Sul possuem políticas de estado. Seus governos colocam encomendas nos estaleiros quando falta, pois, a indústria naval gera uma série de benefícios para o próprio governo, como mais arrecadação de impostos, e para a população, como mais emprego e renda. Por exemplo, no caso das prefeituras, quando você tem um estaleiro construindo grandes embarcações e com um relevante número de empregados, você desafoga a saúde pública, pois seus empregados recebem plano de saúde, e movimenta a economia do local, pois a pessoa sai do estaleiro para tomar uma cerveja no quiosque da esquina, compra pão na padaria e coloca o filho numa escola particular.
Esse é um tema que é muito utilizado contra a indústria naval. “Como os estaleiros foram alvos da Operação Lava Jato, o plano de retomada da indústria é para financiar a corrupção”. Isso é uma mentira, pois todos os estaleiros, depois da Lava Jato, implementaram sistemas de gestão anticorrupção e se prepararam para mostrar transparência e integridade para os seus clientes. Como todos os investimentos em tecnologia e infraestrutura já foram feitos pelos estaleiros para atendimento das encomendas do passado, eles estão prontos e preparados para atenderem às novas demandas anunciadas pelo governo e pela Petrobras, através do PAC, mas que ainda não aconteceram.
Toda indústria possui uma curva de aprendizado. Quando o primeiro navio foi construído em Pernambuco, muitas pessoas tiveram que ser alfabetizadas. Cortadores de cana viraram soldadores. O estaleiro fez o papel que deveria ter sido feito pelo governo, com tudo isso impactando na curva de aprendizado. Quando nós pegamos os índices de produtividade do João Cândido e comparamos com o último petroleiro que foi entregue, a HH (Homem/Hora) passou de 155, 160, para 55 por tonelada (quantidade de homem/hora utilizada para produção de uma tonelada). Quando se chegou a esse índice, nós atingimos um patamar de produtividade quase comparado ao coreano, que é o benchmark internacional. Como em toda indústria, o que precisamos é de perenidade. A constância das encomendas eleva a produtividade. A Coreia tem encomendas de navios até 2028.
Fonte: Monitor Mercantil – Entrevista por Jorge Priori.